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domingo, 6 de fevereiro de 2011

LIVRO - Os Últimos Mafiosos - A Ascensão e a Queda da Família mais Poderosa da Máfia



Vou passar a dica de um excelente livro que eu atualmente estou lendo...

Os Últimos Mafiosos traça a espetacular ascensão e a queda da mais rica e mais poderosa família criminosa da história: o clã da máfia siciliana “Corleonese”. À parte da romântica aura dos filmes de Hollywood, este livro retrata a face verdadeira da família criminosa a qual inspirou Mario Puzo a escrever O Poderoso Chefão – The Godfather.

Baseado em páginas e páginas de documentos judiciais, transcrições, testemunha dos desertores mafiosos e entrevistas com investigadores, esta é a última palavra no mundo da mais famosa organização criminosa.

Segue um trecho do livro...

"Prólogo
23 DE MAIO DE 1992

"Pouco depois das 16h00, em 23 de maio de 1992, um sábado, o herói antimáfi a da Itália, juiz Giovanni Falcone, sua esposa, Francesca, e uma escolta de guarda-costas abrem caminho em meio ao trânsito eternamente caótico de Roma. Com luzes azuis piscando e sirenes gritando, o comboio contorna o Coliseu, o degradado monumento à crueldade humana, antes de seguir para o sul, rumo ao aeroporto e à cidade onde Falcone nasceu — Palermo, capital da Sicília.

Após conquistar inúmeras vitórias como promotor público em Palermo — a maior delas um julgamento que infl igiu dezenove sentenças de prisão perpétua e 2.665 anos atrás das grades a nada menos que 338 mafi osos —, o corpulento e bigodudo Falcone mudara-se para Roma um ano antes com o intuito de assumir o cargo de diretor de Assuntos Penais do Ministério da Justiça. Movido por sua característica determinação, o workaholic juiz de 53 anos formara duas novas corporações que coordenariam as duas investigações, policial e judicial, relativas à irmandade por toda a Itália. Isso fi nalmente concedia ao Estado as ferramentas para atacar o avanço do crime organizado — presumindo que o Estado quisesse fazê-lo.

Mas há algo azedando o mais recente sucesso de Falcone. Agora, como tantas outras vezes no decorrer de sua carreira, a inveja dos colegas e a hostilidade daqueles que preferem quietamente ignorar a máfia têm-lhe causado preocupação. Ele anda tenso. Uma campanha agressiva o vem acusando de criar o novo posto de promotor nacional antimáfi a, conhecido na imprensa como “superpromotor”, apenas para ocupá-lo. Poucos dias antes o juiz gracejara amargamente com um colega sobre os ataques dos inimigos: “Afi nal, para alguém como eu, que sabe que vai ser morto, você acha que me importo de ser um superpromotor?”

Brincar a respeito da própria morte era típico de Falcone, em quem estava entranhada a atitude fatalista comum aos sicilianos.

Um dos homens mais bem protegidos da Itália — um helicóptero frequentemente acompanha seu comboio —, ele sofrera, até o momento, duas tentativas de assassinato. Primeiro a máfi a enviou um pistoleiro para abatê-lo na prisão e, havendo falhado, plantou uma
bomba dentro de uma sacola ao lado de sua casa de praia. Ambas as tentativas foram descobertas na hora H. Indagado em seu escritório em Roma, um verdadeiro bunker, sete meses atrás, sobre os riscos constantes que corria, Falcone respondeu, pragmático: “Aqueles que estão fazendo alguma coisa que acreditam ser útil à sociedade acham-se mais expostos que os demais, por muitos motivos
— por causa da inércia, covardia e ignorância dos outros. E são assassinados
— inexoravelmente. E pronto”.

Enquanto o comboio atravessa a velha muralha da Cidade Eterna, Falcone e esposa aguardam algo ansiosamente. Francesca, cujo trabalho de juíza a impedira de se mudar para Roma com o marido, acabara de conseguir transferência para a capital. O casal em breve voltará a morar junto e essa é uma das últimas viagens de fi m de semana que Falcone terá de fazer à Sicília.

Às 16h30, Falcone liga para Giuseppe Costanza, seu motorista em Palermo, avisando-o de sua chegada iminente. Costanza dirige-se à casa do juiz para pegar o carro blindado. Trinta minutos depois, um jato operado pelo serviço militar de inteligência, o Sisde, decola do aeroporto de Ciampino, um voo secreto, não programado, levando a bordo Falcone e Francesca. Mais de 550 quilômetros ao sul, em Palermo, um chefe de clã e abastado homem de negócios, proprietário de uma empresa de processamento de carne, uma cadeia de restaurantes e um açougue, encontra-se saboreando um drinque no Ciro’s Bar, numa avenida larga e movimentada defronte ao prédio de Falcone. Por volta das 16h45, ao avistar um veículo branco saindo da garagem, reconhece-o imediatamente como o Fiat Croma blindado do juiz.

Presumindo que o motorista se dirige ao aeroporto de Palermo para buscar Falcone, ele corre para seu açougue, nas redondezas.

Aproximando-se do fi lho, ocupado em servir os fregueses, e diz-lhe com urgência na voz: “Mexa-se, o carro saiu! Siga-o!” Pulando em sua lambreta, o fi lho alcança o carro do juiz e o acompanha até a estrada de acesso à rodovia que conduz ao aeroporto.

Dali em diante, cada componente do complexo plano orquestrado pelo chefão da máfi a Salvatore Riina, líder da Família Corleonese,se encaixa perfeitamente no lugar, um por um. Às 17h43, o jato trazendo Falcone aterrissa no aeroporto de Punta Raisi-Palermo, a uns poucos metros da costa mediterrânea. Aguardando-o, e à esposa, na pista de pouso estão três carros blindados, com o motor ligado, e seis guarda-costas, as armas sob o paletó. Falcone diz a Costanza que quer dirigir e este lhe entrega a chave. O juiz gosta de guiar quando na companhia da mulher — agarrando-se ao que pode de uma vida normal. Francesca senta-se no banco da frente, Costanza no de trás. O comboio parte rapidamente, o veículo de Falcone no meio.

Uma sentinela fi ca estacionada no portão do aeroporto reservado à polícia. Obedece às rígidas instruções do chefe, o rechonchudo e afável Giovanni Brusca, especialista em dissolver os corpos das vítimas em ácido sulfúrico. “Você deve olhar para dentro do carro de Falcone. Precisamos ter certeza de que não é outra pessoa. Não podemos estragar as coisas. Você precisa vê-lo”, Brusca o admoestara.

O vigia está tão concentrado em cumprir as ordens que reconhece Falcone no assento do motorista quando o veículo cruza o portão, mas não repara em Francesca nem em Costanza no banco de trás — não que isso fi zesse qualquer diferença. Às 17h48 ele liga para um cúmplice, Gioacchino La Barbera, com a senha curta e pré-combinada: “Tudo o.k.”.

Um minuto depois, La Barbera liga para outro chefe, Antonino Gioè, que, fumando nervosamente um cigarro após outro, observa uma faixa da autoestrada de uma encosta a 5 quilômetros do aeroporto.

Ao lado de Gioè está o próprio Brusca, arquiteto do plano de assassinato, um controle remoto, do tipo usado por crianças para manipular aeromodelos, nas mãos. O dispositivo simples opera uma bomba escondida num duto subterrâneo estreito que corta toda a pista — cerca de 350 quilos de explosivos comprimidos em 13 cilindros de metal. Os dois mafi osos acham-se sob uma amendoeira em flor, havendo quebrado alguns galhos da árvore para obter uma visão mais clara do alvo. Revezam-se sentando-se num banquinho e espiando pelo telescópio.

Gioè fala com La Barbera pelo celular. Enquanto conversam, La Barbera percorre uma pista paralela à da caravana. Preocupado com a possibilidade de o telefonema ser interceptado, tagarela sem parar sobre nada em particular, pulando de um assunto para outro.

É capaz de enxergar a escolta tão nitidamente que distingue os guarda-costas de prontidão com metralhadora em punho. No banco de trás, Costanza indaga ao juiz quando seus serviços serão novamente necessários.
— Segunda-feira cedo — retruca Falcone.
— Então, quando chegarmos ao seu apartamento, por favor me dê a chave para que eu possa pegar o carro na segunda-feira — pede
o motorista.

Para seu espanto, Falcone, subitamente, tira a chave da ignição e entrega-lhe.
— O que você está fazendo? Vamos ser mortos! — repreende-o
Costanza, sentindo o carro, engrenado na quarta marcha, perder velocidade. Pelo visto Falcone quisera trocar imediatamente seu chaveiro, que incluía as chaves do apartamento, pelo molho de Costanza.
— Desculpe-me — diz o juiz virando-se para o motorista, seu olhar cruzando com o da esposa naquele momento. — Desculpe-me.
Ainda perseguindo o comboio, La Barbera nota que os veículos estão se movendo a 80 km/h — metade da velocidade prevista pelo esquadrão da morte — e continua tagarelando pelo telefone, na esperança de que os dois homens na encosta percebam, deduzindo pela duração da conversa, que a escolta não está se aproximando tão depressa quanto o esperado.
— O que você planeja fazer hoje à noite? — indaga La Barbera.
— Nada. Se você estiver livre, poderíamos sair para comer uma pizza — devolve Gioè, olhando pelo telescópio.
— O.k. Logo depois, La Barbera fala de repente:
— Conversamos mais tarde. Ciao. — A chamada de cinco minutos se encerra abruptamente às 17h54.

Gioè compreende. Ele vê o comboio avizinhando-se da bomba. O plano de Brusca consiste em acionar o controle remoto assim que o carro de Falcone alcançar uma geladeira jogada na beira da estrada, a qual escolhera como demarcação. Brusca ainda não avistara o veículo quando ouve Gioè instá-lo: — Vai! Brusca não se mexe.
— Vai! — repete Gioè.
Brusca ainda não se mexe. Sente-se como se tivesse sido embalsamado,
como uma múmia egípcia. Dali a instantes Brusca avista,
enfi m, o Croma branco de Falcone e percebe, para sua surpresa, que
o carro reduzira a velocidade. Observando-o chegar à altura da
geladeira, hesita por um segundo.
— Vai! — Gioè o incita pela terceira e última vez.
Brusca aciona o controle."


Fonte: http://epoca.globo.com/edic/662/662_trecho_Os_ultimos_mafiosos.pdf

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