A operação lançada quinta-feira pelo FBI contra o crime organizado no país é um vinho do Porto na história da máfia: quantos mais anos passarem sobre a guerra aberta esta semana contra a Cosa Nostra - a sociedade mafiosa da Sicília que, no final do século XIX, começou a instalar-se em Nova Iorque - mais lendária esta se vai tornar. Não é por isso de estranhar que, um dia depois da detenção de cerca de 125 pessoas que fazem parte das famiglias ou que têm ligações à máfia, os jornais norte-americanos tenham sido preenchidos com análises do passado, em viagens no tempo que se concentraram, sobretudo, no ano de 2001.
A máfia sempre fez parte da realidade americana. Ao longo das décadas, o seu peso e influência na sociedade, sobretudo da costa leste do país, foi aumentando, com histórias como a de Al Capone, nos anos 20, e até de Frank Sinatra, eterno suspeito nas investigações à máfia, a encherem os jornais na primeira metade do século XX. Desde então, a expressão dessa máfia, instalada em Chicago, perdeu protagonismo para as famílias que, vindas da Sicília, se instalaram em Nova Iorque e arredores - passando a monopolizar a "sociedade secreta" espalhada pelo país. Nova Iorque tornou-se o seu centro de operações e, desde os anos 70, o combate à Cosa Nostra tornou-se numa das prioridades de topo do país. Joseph Pistone, que protagonizou a operação Donnie Brasco, veio dar ainda mais visibilidade e importância à Itália mafiosa instalada no estado. Em seis anos (1976-1981), o agente do FBI viveu infiltrado na família Bonanno (ao mesmo tempo que trabalhava de perto com a família Colombo), conseguindo provas de homicídios, extorsão e outros crimes, essenciais para sentenciar muitos dos membros das famílias a penas de prisão pesadas.
reescrever o passado A história que Pistone começou a escrever há mais de três décadas parece ter voltado ao centro da acção do FBI. Antes disso, o mundo que em tempo ocupou inúmeros agentes em várias operações de combate à máfia tinha caído no esquecimento. O dia que se destaca é o 11 de Setembro de 2001, o ano em que a ameaça à estabilidade dos EUA mudou de perfil. O ataque ao World Trade Center trouxe uma vulnerabilidade ao país que os americanos nunca tinham conhecido; os aviões que chocaram contra as Torres Gémeas simbolizaram o que viria a tornar-se no inimigo número um do país. Os perigos da máfia foram diminuídos pela ameaça do terrorismo, que se transformou na missão primordial do Departamento de Justiça. E essa é a razão pela qual a operação lançada esta semana ganha ainda mais destaque.
Com a detenção de mais de 100 mafiosos da Cosa Nostra, o crime organizado volta à lista de prioridades do país. E a realidade da máfia do século XXI é outra. Desde 2001, uma pequena equipa de agentes do FBI continuou a dedicar-se à investigação das famílias, que têm hoje ligações à maioria dos sindicatos norte--americanos e à máfia em Itália, na Rússia e em países da Europa de Leste. Tribunais federais de quatro estados já receberam acusações formais a 80 dos detidos, por homicídios e extorsão, crimes que terão acontecido entre a década de 80 e 2010. Mas o que acontece a seguir é que vai definir o futuro da máfia. Ontem, a directora da divisão do FBI em Nova Iorque, Janice K. Fedarcky, sublinhou isso mesmo. "É um mito que a máfia seja uma coisa do passado. Prender e condenar as hierarquias das cinco famílias ao longo destes anos não erradicou o problema."
Fonte: http://www.ionline.pt
Herdeiros preferem ser médicos ou advogados e famílias mafiosas perdem suas figuras mais inteligentes e habilidosas
A Máfia envelheceu, seus integrantes estão mais despreparados, a concorrência de outras gangues aumentou e o código de silêncio, conhecido como "ormetà", não se aplica mais à organização criminosa que há mais de um século atua nos EUA e na Itália. Pelo menos foi essa a conclusão da imprensa e de analistas depois do mais duro golpe contra os mafiosos na história.
Sete famílias - ou facções - foram desmanteladas na quinta-feira em uma megaoperação do FBI (a polícia federal americana), em Nova York e New Jersey, com quase 130 pessoas detidas. O futuro dessas organizações criminosas, que têm origem na Sicília, agora é incerto.
George Anastasia, considerado um dos maiores especialistas em Máfia dos EUA, disse ontem à rede de TV ABC que as figuras mais inteligentes e habilidosas dessas famílias mafiosas optaram por seguir carreiras como médicos e advogados, em vez de entrar para o crime organizado. "Hoje, os integrantes das gangues são aqueles que não deram certo em outro lugar. Não são espertos como há 40, 50 anos", disse.
Glamour. Da família Genovese, o principal preso foi Stephen "Beach" Shapiro. Seu apelido de "Beach" (praia, em inglês) é por causa de suas operações na região do porto de New Jersey.
Acusado de assassinato, Bartolomeo "Pepe" Vernace foi a maior figura detida da tradicional família Gambino. Quase ninguém do alto escalão dos Colombo escapou, incluindo Junior "Lollipops".
As famílias Luchese, DeCavalcante e Bonanno sofreram menos baixas. Os mafiosos presos foram condenados por crimes variados: apostas ilegais, contrabando de cigarros, tráfico de drogas e assassinatos.
Nenhum dos líderes presos ontem, no entanto, tinha o glamour de outros tempos da Máfia em Nova York e Chicago, como Al Capone, Lucky Luciano, Vito Genovese, "Don Carlo" Gambino, entre outros. Quase todos os analistas comparavam os mafiosos detidos na operação de quinta-feira à Família Soprano, da série de TV.
De acordo com especialistas, cercados em cidades como New Jersey, os mafiosos perderam espaço no grande crime organizado para gangues chinesas, russas e hispânicas.
PARA LEMBRAR
Máfia. FBI abre guerra sem precedentes contra o crime organizado
Há décadas que se antevia uma operação federal deste calibre, mais alto do que as milhares de armas que já passaram pelas mãos das cinco famílias da Máfia napolitana que começaram a instalar-se em Nova Iorque nos anos 30. O dia dessa operação sem precedentes chegou exactamente às 8h da manhã de ontem (hora local), quando cerca de 800 agentes federais deram início à maior operação de combate ao crime organizado nos Estados de Nova Iorque e de New Jersey. Pelo menos 110 pessoas foram detidas, 80 delas já com acusações formais interpostas em tribunais.
Os números da operação só foram conhecidos ao final da tarde. Antes disso, o "The New York Times" foi o primeiro jornal dos EUA a avançar a notícia, que começou a explodir em todos os outros jornais do país a meio da manhã. Nenhum tinha dados certos da operação em curso, mas o diário nova-iorquino conseguiu falar com várias fontes anónimas ligadas à operação e às famílias em questão. O anúncio oficial do FBI tardou a chegar e as fontes mantiveram o anonimato, por continuarem a temer os braços do crime organizado italiano instalados, sobretudo nos Estados de Nova Iorque e de New Jersey.
Os dados avançados por cada uma das fontes acabaram por coincidir com os apresentados pelo FBI. Todas falavam em mais de 100 detidos, adiantando que as famílias mais atingidas são a Colombo e a Gambino - ainda que dezenas das pessoas detidas ou indiciadas tenham também ligações aos Genovese, Lucchese e Bonanno. Os Colombos são os mais afectados: o líder das operações da família, o seu braço direito e o consigliere (na terminologia da Máfia, o homem que ocupa o cargo de maior confiança do Don, nome partilhado por todos os chefes das famílias do crime organizado) estarão entre os detidos.
A operação em Brooklyn, onde a maioria das famílias estão instaladas, foi a de maior impacto. Os agentes federais, nas palavras das fontes munidos de um verdadeiro "arsenal", detiveram aí grande parte dos suspeitos. As acusações formais já entregues nos tribunais incluem casos que remontam à década de 80, como o de um associado da família Gambino que é acusado de duplo homicídio num bar de Queens, em 1981, por um dos homens ter entornado uma bebida no seu braço.
O que vai acontecer no seguimento da operação é uma incógnita que faz competição directa com grandes estreias de cinema. O mundo da máfia é, provavelmente, um dos mais retratados do último século, quer no cinema e na televisão, quer na literatura. Histórias como a do jornalista Gay Talese - que se despediu do "The New York Times" para investigar a família Bonanno e escrever o livro "Honor thy father" - ou do agente infiltrado Joseph Pistone - que, sob o nome falso Donnie Brasco, viveu vários anos infiltrado nas famílias Bonanno e Colombo - fazem as delícias de milhares de pessoas em todo o mundo há vários anos.
A série "Os Sopranos" é considerada, por muitos, como uma das melhores produções televisivas de sempre e buscou inspiração nos "verdadeiros Sopranos", a família DeCavalcante instalada em New Jersey, que também foi incluída nas rusgas que vão reescrever o futuro da Máfia italo-americana.
Fonte: http://www.ionline.pt
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