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terça-feira, 1 de março de 2011

HONRA TEU PAI - Gay Talese


R$ 55,00
Lançamento: 25/02

Poucas mitologias de nosso tempo causam tanto fascínio quanto a máfia, e não por acaso esse universo já rendeu obras-primas como O poderoso chefão, Os bons companheiros e, mais recentemente, a série de tevê Família Soprano. Lançado em 1971, Honra teu pai (publicado originalmente no Brasil como Honrados mafiosos) é um livro-reportagem sobre os meandros desse mundo, centrado na história de Joseph “Joe Bananas” Bonanno, que controlava uma das chamadas Cinco Famílias de Nova York, e de seu filho Salvatore “Bill” Bonanno, protagonista de uma sangrenta guerra entre mafiosos.
Partindo do sequestro de Joseph em 1964, o livro remonta à origem do clã Bonanno e descreve a ascensão do patriarca, que aos 26 anos já controlava uma das grandes famílias da máfia italiana de Nova York. Ao mesmo tempo, mostra em detalhes o confronto que surge após o sequestro de Joe, quando Bill, diante do vácuo de poder deixado pela ausência do pai, se vê emaranhado num embate pelo controle da própria família.
Gay Talese, um dos pais do new journalism americano, obteve vasto acesso ao clã Bonanno, e pela primeira vez trouxe à tona uma visão de dentro da máfia, objetiva e despida de romantismo.

São dez minutos de atraso. O telefone toca, o pedido de desculpas serve como apresentação, e, do outro lado da linha, Gay Talese releva a gafe.

— Sou paciente, trabalho bem devagar, sem me afobar —conta.
Bill era o filho e sucessor de Joseph “Joe” Bonnano, ambos personagens centrais do best-seller “Honra teu pai”, lançado há 40 anos e agora reeditado pela Cia. das Letras. A primeira obra de não ficção a desvelar o mundo da máfia inspira até hoje filmes e séries como “Famíia Soprano”.
— O livro traz tudo o que o diretor buscava, a relação familiar dentro da máfia —diz Talese.


O GLOBO: Até que ponto o interesse em investigar a máfia está ligado à sua criação, como filho de imigrantes italianos?
GAY TALESE: Meus pais vieram do Sul da Itália para a região Sul de Nova Jersey, onde havia poucos italianos e uma maioria americana. Então, éramos católicos em meio a protestantes. Começa aí… Meu pai era um alfaiate orgulhoso e muito bem vestido, e a minha mãe tinha uma loja de vestidos onde recebia mulheres que se vestiam bem, aparentavam classe. Desde cedo fui cobrado para me apresentar bem, e me sentia deslocado no colégio, parecia um dândi. Fora isso, a Segunda Guerra Mundial se desenrolava quando eu era criança, com 12, 13 anos. E toda a minha família ainda estava na Itália, lutando com o Exército italiano, ou seja, inimigos dos Estados Unidos. Então eu me vestia bem, mas no fundo do peito não era muito bem apresentável a mim mesmo. Um conflito constante. Quero dizer que quando eu era um garoto não acreditava que era americano, mas, sim, italiano, por mais que nunca tenha aprendido a falar a língua. Na época, italianos não eram muito bem recebidos ou vizinhos ideais, eram suspeitos. Cresci com uma insegurança enorme em me reconhecer como americano.


O que o fascinou particularmente na história da família Bonanno?
Fui ver um depoimento de Bill Bonanno em um tribunal. Deparei com o filho de um gângster, um homem da mesma idade que eu. E comecei a me perguntar: o que esse homem havia sentido durante a guerra? Qual a chance que aquele menino de 10 anos teria de construir uma vida fora da máfia? Em todas as histórias que escrevo, estou sempre pensando o quanto essas pessoas são ou não diferentes de mim. O que temos em comum? Será que eles sentem o mesmo que eu, ou coisas diferentes que eu não sinto? E por que é diferente com cada um de nós? É a minha curiosidade.

Que estratégia o senhor usou para convencer um mafioso a revelar tudo o que guardou em segredo?
Bill Bonanno era casado com uma mulher que havia estudado num convento, assim como a minha, além de termos filhos da mesma idade. Então o convidei para jantarmos com as nossas mulheres, porque queria escrever um livro sobre o aspecto familiar da máfia, sobre os homens, as mulheres e as crianças. E queria ganhar a confiança como uma família. Levei dois anos até conseguir permissão.

E depois de sete anos e do livro lançado…
Joe Bonanno era contra a ideia, e passou mais de um ano sem falar com o filho.

Foi a história mais arriscada ou perigosa em que já se envolveu?
Você nunca sabe quando pode levar um tiro. Não fazemos ideia do quão perigosa é a vida que levamos. Eu estava andando no meio da rua e me encontrando com aqueles mafiosos armados sem saber se havia um atirador escondido em cima do telhado ou na próxima esquina nos observando. Ninguém disse para eu me afastar me ameaçando com uma arma apontada. Eu sabia que o FBI, a Justiça e as autoridades do governo estavam de olho em mim. Eles tiraram meu cartão de crédito, fiquei seis meses sem qualquer explicação… Era com ele que eu pagava as despesas das minhas viagens, as contas nos restaurantes… Minha mulher ficou muito preocupada. Foram situações curiosas, como quando Bill Bonanno surgiu na porta de casa após sofrer um atentado. Ele queria que a história saísse no jornal. Acreditava que a polícia estava envolvida com os responsáveis.

Por que temos tanta curiosidade por criminosos, foras da lei?
Pela mesma razão por que somos fascinados por caubóis. A máfia é um western urbano. Rituais, mortes, armas nos bolsos. Em vez de chapéus e botas, grandes carros, ternos e gravatas. É a mitologia que fascina a América até hoje. Há um western indicado ao Oscar!

O que pôde aprender com os Bonanno?
Há ali um código de honra, um trato familiar, uma sociedade secreta que quer ganhar dinheiro e percebe que pode lucrar mais ilegalmente do que legalmente. E, apesar de serem bons negociadores, entendem que a força é necessária. Não é muito diferente do que estamos vendo no Oriente Médio, a revolta no Egito, na Líbia… Mafiosos são como pequenos ditadores. Criam suas próprias regras, e se você não obedece pode levar um tiro.

O que mudou na sua maneira de trabalhar desde então?
Nada. Estou escrevendo um livro sobre Nova York, sobre os 50 anos em que vivo aqui e estou casado com a minha mulher. Desde então, todos os dias eu saio, tomo notas, impressões e arquivo tudo meticulosamente. Acabei de publicar uma história na revista “New Yorker” sobre uma cantora de ópera, Marina Poplavskaya. É o mesmo que fiz com Frank Sinatra.

Como analisa a não ficção produzida hoje em dia?
Há um declínio da aventura e do compromisso com a escrita que via em Tom Wolfe, Norman Mailer, Hunter Thompson… A tecnologia arruinou o negócio. Escrevíamos sobre o que encontrávamos nas ruas. Mailer foi para as ruas escrever sobre o Pentágono, Thompson foi viver com os Hell’s Angels. Eu cruzava a noite dentro dos carros da máfia ou cobrindo a revolução sexual nos campos de nudismo… Hoje, a reportagem e os entrevistados estão dentro do escritório. Colocam gravadores sobre a mesa para captar um diálogo e esquecem de captar o modo de vida. Eu nunca me importei com o que as pessoas falavam, me interessava por tipos de comportamento. A coisa ficou pior quando o jornalista começou a coletar informações através do laptop, do Google, não vendo nada e escutando pouco, com seus headphones nos ouvidos. É a cultura da celebridade: grava-se um papo com uma estrela, e acabou. É preciso ir para a rua. As pessoas deixaram de explorar a vida, e com isso pararam de sentir.

Fontes:

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