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quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

CRIME ORGANIZADO NO BRASIL - JOGO DO BICHO

O jogo do bicho é uma bolsa de apostas ilegal em animais e foi inventado em 1892 pelo barão João Batista Viana Drummond, fundador e proprietário do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, em Vila Isabel.
A fase de intensa especulação financeira e jogatina na bolsa de valores nos primeiros anos da República imprimiu grave crise ao comércio. Para estimular as vendas, os comerciantes instituiram sorteios de brindes. Assim é que, tencionado em aumentar o freqüência do zoológico, o barão decidiu estipular um prêmio em dinheiro e sortear uma placa a cada dia. Em cada placa figurava um dos 25 animais de sua propriedade. A partir daí, as placas foram associadas a séries numéricas e o jogo passou a ser praticado largamente, a ponto de transformar a capital da República (desde 1889) na "capital do jogo do bicho". Assim, nasceu um dos jogos mais democráticos da história do Brasil.
História
A origem do jogo do bicho, atividade tipicamente brasileira, remonta ao fim do Império e início do período republicano.
Jornais da época contam que para melhorar as finanças do jardim zoológico, localizado no bairro da Vila Isabel, em dificuldades financeiras, no Rio de Janeiro, o senhor de terras e escravos João Batista Viana Drummond, criou uma loteria em que o apostador escolhia um entre os 25 bichos do zoológico.
Os bichos eram representados individualmente pela seqüência numérica de quatro unidades, compreendidas de 00 e 99 nos dois dígitos finais, haveria 25 bichos que respeitada a sua ordem alfabética eram distribuídos em progressão aritmética múltiplas de quatro de 00 a 99. Ao final do dia, os organizadores do jogo revelavam o nome do bicho vencedor e afixavam o resultado num poste, o que até os dias de hoje continua sendo feito.
O jogo do bicho permitia apostas de "simples moedas a tostões furados", e isso em uma época em que a recessão tomava conta do Brasil. Essa modalidade de jogo rapidamente se alastrou pelo país e tornou-se para o pobre algo comparável à bolsa de valores para os mais abastados.
Desse modo, quase sempre "investindo" com poucas moedas, o apostador nunca deixava de "aplicar" na sua "bolsa de valores", talvez a maior a céu aberto do mundo, e que deu origem à expressão: "só quem ganha é quem joga".
A organização do jogo de bicho preserva uma hierarquia como a de atores, teatro e platéia (banqueiros, gerentes e apostadores).
Nessa hierarquia, o "banqueiro" é quem banca a totalidade do jogo e quem paga a banca. O "gerente de banca" ou do ponto, é quem repassa as apostas ao banqueiro e o prêmio ao vendedor. O vendedor é agregado ao gerente de banca e é quem escreve e quem intermedia pagamento entre o apostador e o gerente. A banca e o ponto não necessitam de um lugar fixo para operar e seus funcionários são freqüentemente encontrados nas ruas sentados em cadeiras ou caixas de frutas. Em outras regiões do Brasil , pode-se entrar em contato por telefone, e um motoboy vêm buscar o jogo em sua casa ou trabalho.
O jogo do bicho tem algumas regras que estipulam limites nas apostas: um exemplo é a "descarga" de alguns números muito apostados, como o número do túmulo de Getúlio Vargas ou número do cavalo no dia de São Jorge. Para alguns organizadores os números muito jogados são cotados afim de evitar a "quebra da banca" tanto por parte das bancas de apostas como durante a apuração no sorteio.
Pelo fato de ser uma atividade que envolve dinheiro não controlada pelo governo, o jogo tem atraído a atenção das autoridades corruptas e criou-se um complexo e eficiente sistema para a realização da venda de facilidades.
A Paraíba é o único estado da Federação onde o jogo do bicho é considerado legal. As "corridas" (extrações dos números premiados) são feitos pela Loteria do Estado da Paraíba (Lotep) e o estado cobra taxas dos "banqueiros". Em razão disto, não é explorado pelo mundo do crime. Outros estados como Pernambuco usam as "corridas" da Paraíba como resultado oficial. Corre uma história de que durante a ditadura militar, o presidente Castelo Branco, numa reunião da SUDENE em Recife, teria cobrado do então governador João Agripino a extinção do jogo na Paraíba. Agripino teria respondido ao então presidente: "Acabo com o jogo do bicho na hora em que o Senhor arranjar emprego para os milhares de paraibanos que ganham a vida como cambistas". E o jogo continua livre.
Contravenção controvertida
Simples no começo, o sistema de jogo do bicho multiplicou-se pelo território brasileiro e teve forte presença cultural no "Brasil moderno": na música, no cinema, no teatro e na literatura. Câmara Cascudo, no seu Dicionário do folclore brasileiro, distinguia o jogo como sendo "invencível" e que a sua repressão apenas ampliava sua reprodução por todo o país. Vício irresistível escreveu o folclorista: (...) Contra ele a repressão policial apenas multiplica a clandestinidade. O jogo do bicho é invencível. Está, como dizem os viciados, na massa do sangue ““.
Em Ordem e Progresso (1959), Gilberto Freyre descreve o jogo do bicho como uma das poucas atividades democráticas no início da República. O historiador José Murilo de Carvalho demonstrou em Os bestializados: Rio de Janeiro e a República que não foi que a sociedade carioca difundia a crença na sorte como uma forma de ganhar a vida sem trabalhar.
O jogo do bicho é semelhante a uma loteria federal, mas com algumas diferenças. Uma delas é que o jogador pode apostar qualquer valor, que muitas vezes é bem acima de suas possibilidades. Quanto maior o valor apostado em uma seqüência numérica (milhar, centena, dezena, etc), maior será o prêmio em caso de acerto. Com essa flexibilidade de apostas, o jogador é livre para escolher pelo menor valor possível o seu número da sorte nas 10.000 chances disponíveis de cada sorteio. Exemplo, um apostador joga 1 real em uma milhar no primeiro prêmio (conhecido como cabeça por ser a primeira milhar no topo da lista de resultados), caso acerte ela inteira (os quatro números) ele ganha 3.000 reais (apostas no estado de São Paulo). Se tivesse jogado 50 centavos na mesma aposta e acertado, o apostador ganharia 1.500 reais. Todos "banca" (organizações que fazem a administração do jogo do bicho) tem uma tabela de valores que são apresentados aos apostadores, tabela essa que tem muito pouca diferença de banca para banca.
Apesar de sua imensa popularidade e de ser tolerado por muitas autoridades (portanto, corruptas), o jogo do bicho é considerado uma contravenção no Brasil e as pessoas que o praticam ou o promovem são passíveis de punição pela Justiça.
Contravenção, propina, assassinato e carnaval

A ligação do jogo do bicho com outros crimes está nas páginas de jornais e processos judiciais. Bicheiros são acusados de pagar policiais para deixá-los “trabalhar em paz”, mandar matar quem tenta invadir suas áreas, subornar integrantes do Poder Judiciário, aliar-se ao narcotráfico e às máfias internacionais, para contrabandear, por exemplo, caça-níqueis e armas e, finalmente, sonegar impostos, conseqüência natural desse tipo de contravenção. Conheça algumas das histórias de crimes envolvendo o jogo do bicho no Brasil.
• Em junho de 2007, a operação Hurricane II da Polícia Federal prendeu as várias pessoas acusadas de serem bicheiros, estabelecidos no Rio de Janeiro, como Aziz Abraão David, o Anísio; Ailton Guimarães Jorge, o capitão Guimarães; e Antônio Petrus Kalil, o Turcão, juntamente com juízes e policiais. Estes foram acusados de receber propinas mensais daqueles para manter, além das bancas de bicho, caça-níqueis e bingos, também considerados jogos de azar e proibidos no Brasil. Os valores das propinas, segundo as investigações, variariam de R$ 3 mil a R$ 30 mil mensais.

• Em São Paulo, Ivo Noal estaria no comando do jogo do bicho há anos. Preso várias vezes acusado entre outras coisas de formação de quadrilha e sonegação fiscal, Noal, conseguiu habeas-corpus em 2005, e a Polícia suspeita que ele continua controlando as casas de jogo do bicho do Estado, apesar de negar. Sua suposta fortuna, em 2005, estava avaliada em R$ 2,8 bilhões. Ao contrário do Rio de Janeiro, onde há vários líderes da contravenção, Noal reinaria absoluto em São Paulo. O bicheiro também já foi suspeito de mandar matar em 1984, Marcus Santoro, sobrinho do bicheiro carioca Raul Capitão, no bairro da Lapa, em São Paulo. Santoro estaria tentando infiltrar seu grupo no jogo paulista e acabou sendo morto. Por falta de provas, Noal foi absolvido da acusação.

• Castor de Andrade, considerado o maior bicheiro da história do Rio de Janeiro, teria criado um verdadeiro império da contravenção. Filho do também bicheiro Eusébio de Andrade, Castor teria herdado as bancas do pai e ampliado-as. Sua fama era de um purista, que não desejava misturar jogo do bicho com outras contravenções, mas houve várias acusações de homicídio, contrabando de armas e tráfico de drogas envolvendo seu nome. Preso e depois solto, Castor morreu em 1997 de ataque cardíaco. Seus pontos de jogos de bicho e caça-níqueis teriam sido divididos entre o sobrinho Rogério Andrade e o genro Fernando Ignácio, mas a partilha não teria agradado os herdeiros que teriam começado uma briga sangrenta pelos pontos de jogos, com pelo menos uma dezena de mortos. A briga teria envolvido inclusive casas de jogos de bicho de outros estados como a Bahia.

• Em 1993, a então juíza Denise Frossard decretou a prisão de 14 líderes do jogo do bicho no Rio de Janeiro. Além de Castor de Andrade, Turcão e Anísio (presos novamente em 2007), Luisinho Drummond estavam entre os acusados. Todos acabaram soltos depois. Drummond, por exemplo, teria aumentado seus domínios para o Norte e Nordeste. Seu sobrinho foi preso, em 2006, organizando a instalação de máquinas de caça-níqueis em Belém do Pará.

Se o jogo do bicho é popular no Brasil, Carnaval e futebol são duas paixões nacionais indiscutíveis. E as ligações entre bicheiros, sambistas e futebolistas são históricas e intrínsecas. Só para ficar nos exemplos citados nessa página, Anísio é ex-presidente da escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, Capitão Guimarães é presidente da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro e Luisinho Drummond é patrono da escola de samba Imperatriz Leopoldinense e ex-vice-presidente de futebol do Botafogo. Até o paulista Ivo Noal tentou e conseguiu se eleger diretor do Corinthians, apesar de ter ficado pouco tempo.
Castor de Andrade foi o bicheiro que entrou na história como um dos que mais deixava explícita suas ligações com futebol e carnaval. Patrono da Mocidade Independente de Padre Miguel, Castor de Andrade foi também presidente de honra do Bangu, conseguindo o título de campeão carioca em 1996. Seu carisma e poder lhe deram uma aura de “bom moço” entre seus protegidos que até hoje é lembrada com ênfase em Bangu, como prova o site oficial do Bangu Atlético Clube.
Protegidos pela aclamação popular do carnaval, os bicheiros foram freqüentemente homenageados pelas escolas de samba. Em 1973, por exemplo, Anísio teria financiado o desfile da Beija-Flor, já sob a mão criativa do carnavelesco Joãozinho Trinta, que preparou um luxuoso desfile para o samba-enredo “Sonhar com rei dá Leão”.

Em 1993, poucos meses antes da juíza Frossard mandar prender 14 bicheiros, Castor de Andrade desfilou tranquilamente na Mocidade Independente de Padre Miguel e fez ainda questão de discursar contra a perseguição das autoridades que estavam em curso contra ele e seus “colegas de trabalho”.
Legalização do bicho
Desde a determinação da ilegalidade do jogo do bicho em 1941, há várias tentativas de voltar a tornar legal o jogo. Algumas vantagens podem surgir da legalização do jogo. As loterias oficiais, por exemplo, têm parte do valor arrecadado destinado a projetos sociais. Além disso, tiraria milhares de pessoas que trabalham como banqueiros do jogo do bicho da informalidade e os sorteios poderiam ser mais transparentes. Outra clara vantagem seria tirar o estigma da violência do jogo.
No Congresso Nacional, existem vários projetos de leis pedindo a legalização do jogo de sorteio diário do bicho. Em 2007, estava em tramitação o projeto de lei 04652/1994, do deputado federal José Fortunati, que prevê regulamentação do jogo e estava, em julho, na mesa da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. O governo federal, no entanto, tem ampliado a repressão ao jogo do bicho e outros jogos de azar como o bingo ou as máquinas de caça-níqueis.

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